quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Uma reflexão sobre o pensamento de Gramsci

A afirmação de Gramsci (1998) é que somos gestores da sociedade e precisamos ter a consciência sobre o que e como gestamos as nossas ações. Se formos realmente conscientes que a escola pública que atuamos é constituída por “crianças e jovens de diferentes etnias, culturas, religiões, origem socioeconômica, sujeitos que têm atitudes e valores diferentes daqueles que a escola se acostumou a legitimar e engessar, sendo pouco permeável à multiculturalidade da sociedade...” Então precisamos entender que a escola que queremos não deve atender a modelos e sim a realidade da classe popular que é o público que norteia este espaço. Como gestores sociais, precisamos definir a quem e o que deveremos realmente servir... Uma reflexão...

terça-feira, 29 de setembro de 2009

A CONSTRUÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA IDENTIDADE SURDA E AS AÇÕES INCLUSIVAS NO COLÉGIO ESTADUAL RAPHAEL SERRAVALLE.
Lizeth M. Mira*
Ramilton Oliveira Cordeiro**
Rosemary Borges***

SUMÁRIO

O presente estudo aborda o processo de construção da identidade dos alunos surdos e as ações inclusivas do Colégio Estadual Raphael Serravale, apresentado no I Congresso de Educação Inclusiva, no Centro de Convenções em Salvador, promovido pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), no ano de 2007. Trata-se do relato feito pelo professor Ramilton de Oliveira Cordeiro, diretor da unidade escolar. As considerações sobre o tema abordam a trajetória histórica do processo de inclusão dos alunos surdos na unidade escolar, os retrocessos e os avanços na atuação do grupo de profissionais, professores especialistas e coordenadores que atuam na sala de apoio pedagógico (SAP). Os resultados, até então obtidos, resultam da dinâmica de leituras, estudos e buscas constantes de fundamentação teórica que subsidiam as ações desenvolvidas no trabalho realizado. De acordo com o professor Ramilton, foram muitos os conflitos e divergências entre o grupo de professores na elaboração, execução e acompanhamento do planejamento e das atividades que configuram a dinâmica da ação-reflexão-ação ao tempo em que se consolidam os objetivos, as estratégias, a metodologia e as ações de inserção dos alunos surdos na comunidade escolar.
Palavras chaves: IDENTIDADE – INCLUSÃO – PLANEJAMENTO





*pedagoga (UFBA), pós-graduada, professora do Colégio São Paulo e coordenadora do CERS lizethmira@yahoo.com.br .
**Geógrafo,(UCSAL), pós-graduado, diretor do Colégio Estadual Raphael Serravalle. ramcordeiro@yhaoo.com.br
*** pedagoga e filósofa, (UCSAL), pós-graduada, professora da Sala de Apoio Pedagógico (SAP) roseborgestomagal@ig.com.br.
INTRODUÇÃO

Considerar nesse estudo o processo e a importância da inclusão dos alunos surdos na escola regular como é a nossa, num contexto em que as pesquisas nacionais apontam para resultados catastróficos de ineficiência da educação é, sobretudo, focar toda a dinâmica do nosso trabalho nas considerações que apontam os avanços até então obtidos e que estão assegurados no objetivo que o Colégio Estadual Raphael Serravalle se propõe: “favorecer o processo de inclusão social e pedagógica dos alunos surdos na comunidade escolar, visando a construção do conhecimento, a socialização e a autonomia”.
Em princípio, para o alcance desse objetivo, compreendemos que a comunidade escolar só é de fato uma comunidade, quando todas ou a maioria das pessoas envolvidas participam, contribuem e colaboram com os propósitos da educação e com a vida da escola. Sensibilizar a comunidade para esses propósitos é um desafio que exige tempo, paciência e persistência, e, desafio ainda maior quando a maioria dessas pessoas ignoram a importância da inclusão e a dimensão das necessidades especiais dos nossos alunos surdos.
Por inclusão pedagógica, o nosso propósito é o de acolher e oferecer a esses alunos as oportunidades para que possam observar e interpretar, ler e escrever, expressar e comunicar-se com o mundo que os cercam, estabelecendo as mais diversas relações, em LIBRAS ou não, mas em tantas outras formas de expressões que manifestem a construção do conhecimento, da interação e, sobretudo, da socialização.
Quanto a conquista da autonomia, só a compreendemos como o valor implicitamente relacionado às manifestações desse aluno ser capaz de autogovernar-se com ética, respeito e determinação a fim de que, na teia das relações que estabelece consigo próprio e com o mundo, possa sentir e viver intensamente o seu momento, compreender os seus limites e extrapolar os seus espaços.
Para isso, os recursos metodológicos que permeiam as ações inclusivas aos nossos alunos surdos se fundamentam no desenvolvimento de atividades teóricas e práticas com o material de apoio existente na SAP (sala de apoio pedagógico ao aluno surdo), e a realização de projetos didáticos comuns a todos os alunos, surdos e ouvintes, e que contemplam temas pertinentes à inclusão e ao respeito à diversidade cultural.
Assim, numa cultura em que a fala é elemento dominante, numa escola regular com as carências de recursos que é de conhecimento da sociedade, assegurar o desenvolvimento e a construção da identidade surda requer dentre outros tantas ações e outros tantos elementos, que tenhamos, sobretudo, a compreensão necessária para flexibilizar os desejos e necessidades de socialização, aceitação, construção de conhecimento e de autonomia desses alunos. Sobre isso, Perlim, enriquece a nossa crença ao expressar que:
“... a identidade surda sempre está em proximidade, em situação de necessidade com o outro igual. O sujeito surdo nas suas múltiplas identidades sempre está em situação de necessidade diante da identidade surda”. (l)

























(1) Perlim (l998: p 53)
NOSSA HISTÓRIA, NOSSAS EXPERIÊNCIAS.

Há exatamente 26 anos o COLÉGIO Estadual Raphael Serravalle, situado à Rua Guillard Minuz, s/n, Cep 41810110 – Salvador – Bahia, (071) 33597855, iniciou uma nova experiência em sua unidade escolar recebendo a primeira classe especial com orientação para o atendimento aos alunos surdos com base na filosofia oralista, seguida da comunicação total e do processo de estimulação precoce.
Para isso, organizou o jardim infantil, a alfabetização e as séries iniciais do ensino fundamental e centralizou o atendimento em apenas uma sala com todos os estudantes surdos no turno matutino. No entusiasmo de freqüentar uma grande unidade escolar, os estudantes surdos, mesmo sentindo o estranhamento da comunidade, criaram o vinculo afetivo com a escola e acreditaram no trabalho desenvolvido pelos profissionais. Sobre isso, nos detivemos em Quadros:
“os povos surdos estão cada vez mais motivados pela valorização de suas “diferenças” e assim respiram com mais orgulho a riqueza de suas condições culturais e temos orgulho de sermos simplesmente autênticos “surdos””.(2)
A demanda superou as expectativas e, diante da grande procura, a escola sentiu a necessidade de implantar nova turma no turno vespertino para acolher novos alunos e as respectivas famílias que não tinham nenhuma orientação para mediar as dificuldades de comunicação, de interação e de acompanhamento na aprendizagem dos seus filhos.
Nessa constatação, foi necessário que a escola organizasse um trabalho específico de apoio às famílias, ensinando-lhes um vocabulário básico no sentido de diminuir, principalmente, as barreiras de comunicação existentes entre pais e filhos.
A comunidade escolar ainda, no estranhamento e indiferença aos alunos surdos, erroneamente, estabeleceu intervalos de recreação em horários diferenciados, mantendo-os distantes dos demais estudantes, reforçando a tese de considerá-los como pessoas “estranhas ao ninho”. O desconhecimento da realidade, da cultura e da natureza da surdez não favorecia a proximidade, o estabelecimento de relações e a aceitação plena desses alunos.




(2) Quadros, (2007, 34)
Essa realidade permaneceu até o ano de 1996, quando para nossa surpresa, a escola recebeu a notícia de que “seríamos, de fato, uma escola de inclusão”, que deveríamos receber os alunos surdos e mantê-los nas mesmas salas dos alunos ouvintes. A sala de apoio que até então realizava um trabalho à parte, atendendo apenas o grupo de alunos surdos, tornar-se-ia sala de apoio pedagógico.
Os profissionais que atuavam na sala de apoio, sem conhecimento sistematizado, internalizaram a determinação da SEC e mergulharam numa busca incansável de leituras e estudos para vencer os desafios que lhes eram impostos. E, nessas leituras se detiveram em Mantoan, quando afirma que:
“faz-se necessário que a inclusão aconteça sem esperar a boa vontade da sociedade, pois naturalmente não acontece...”.(3)
Mesmo no desejo de acertar, a insegurança tomou conta de toda a escola, o desconhecimento em como se comunicar com os surdos e, na insatisfação da determinação da Secretaria de Educação, alguns professores afirmavam ser impossível, sem formação específica, atender e favorecer o desenvolvimento desses alunos, justificando ausência de metodologia específica, de bibliografia, de material de apoio, de relatos de sucesso no trabalho prático com os alunos surdos, agravados pelo descaso das famílias.
No entanto, esses fatores foram determinantes para o grupo de professores da SAP, que abraçaram a causa e aceitaram o desafio de acolher, atender e favorecer o desenvolvimento das habilidades diferenciadas desses alunos, assim como mediar os conflitos que se instalaram em nossa unidade escolar.
Foram muitas as ações desencontradas em que prevaleceu o processo de “oralismo” de “achismo”. Contudo, na relatividade das opiniões, preferências, escolhas, crenças e valores, deu-se, entre os professores, a troca de informações das suas práticas desenvolvidas, das estratégias e ações consideradas não produtivas, como também das ações que obtiveram progresso e sucesso.






(3) Mantoan, (1997; p 14)
Nossas ações sempre estão relacionadas ao processo de comunicação e de aprendizagem do surdo, porque quando educador e educando se encontram numa relação amorosa, de cumplicidade, de desejo de construírem juntos a história, a partir das suas próprias histórias, isso implica no desenvolvimento dessa identidade surda onde o sujeito reafirma a sua identidade na interação com a sua cultura, sua história e o seu trabalho.
Essa crença e aplicabilidade prática dão a noção exata da importância de ater-se às relações que se processam entre educação-trabalho-escola-alunos, nestas, o educador deve conhecer quem é o seu aluno surdo ou ouvinte, assim como saber o que ele precisa e o que pode aprender. Para incluir, o professor precisa rever o que ensina, perguntar se o que faz em sala de aula engloba as necessidades do grupo de alunos que atende, incluindo o surdo. Para isso deve lançar mão de pelo menos dois critérios essenciais, o da aplicabilidade: “- Junto com o que vou ensinar hoje, está incluído a sua utilização na vida?”, e o critério de utilidade em que se pergunta:
“Esta aplicação tem importância na minha vida, na vida das pessoas e na vida em geral?“
Essa prática dialógica vem assegurar a existência dos vínculos afetivos entre as pessoas em nossa unidade escolar, no “deixar-se conhecer” as considerações envolvidas explicitam a própria história de vida de cada um, e, permite a construção do respeito mútuo o elemento imprescindível nas relações humanas.
Os alunos continuaram chegando e se organizando nos seus grupos sem estabelecer nenhuma interação com os demais alunos. Os professores, sem informações ou conhecimentos de que muitos desses alunos não oralizavam, outros não faziam leituras labiais, e outros que pouco ou nada escutavam, condições agravadas pela falta de formação ou fundamentação teórica, acataram as sugestões dos profissionais da SAP para colocar os alunos surdos sentados à frente, falar devagar, olhar diretamente para os mesmos e escrever o máximo possível no quadro. Tais orientações, destituídas de fundamentação teórica e, que em nada contribuem para a formação da identidade surdo do aluno, são considerações que encontram-se expressas em Skiliar, quando:
“... é um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte...”(5)


(4) Byington, 1996: p.19)”.
(5) Skiliar (1998, p 15)
Alguns professores mais sensibilizados se inquietavam diante da realidade no atendimento ao aluno surdo, outros indiferentes ao problema, em nada mudaram em suas práticas que favorecessem o acolhimento e o mínimo de desenvolvimento de aprendizagem desses alunos. No entanto, a maioria dos alunos “ouvintes”, convidados a conhecer, participar e se tornarem parceiros da SAP manifestaram os sentimentos de solidariedade, um valor trabalhado em nosso Projeto Político Pedagógico e, aos poucos começaram a interagir com os colegas surdos.
Somente em 1998, foram ministrados os primeiros cursos de LIBRAS. Nesse período, apenas quatro professores tiveram acesso e oportunidade de fazê-lo e, ainda hoje, ainda existem professores que resistem à idéia de aprender LIBRAS.
O grupo de professores, que atuam na sala da SAP, conscientes das dificuldades de interação, do processo de comunicação, da resistência dos demais professores, de material didático específico, da total ausência de apoio das famílias e, principalmente das dificuldades de aprendizagem desses alunos, investiram no processo de inclusão com o aval da direção e dos coordenadores e, juntos, continuaram buscando meios que favorecessem a melhor qualidade no trabalho de assistência a esse grupo de alunos tão especiais.
É natural. O processo de inclusão exige a compreensão do ser, da aceitação às diferenças, de manifestações de profissionalismo e do estabelecimento de relações interpessoais que sejam mais verdadeiras, suficientes para superar a mediação de conflitos, aceitação e respeito ao erro, e instigar reflexões mais profundas na dialética ação-reflexão-ação, sobretudo, porque, aceitar e viver o processo de inclusão na sua plenitude é característica comum aos educadores, porém, elemento ausente àqueles que atuam somente como professores.
Em função do desconhecimento das causas da surdez, no egoísmo da não aceitação às diferenças, na indiferença à inclusão e, na falta de estabelecimento de relações com os surdos, nós ouvintes, limitamos as possibilidades de aprendizagem desses alunos. O termo surdo está socialmente envolto em estigma de incapacidades, é estereótipo de deficiência, o que por si só, configura a urgência de (re)aprendermos os propósitos da educação para o exercício cidadão que sugere o cumprimento de deveres e a capacidade de reivindicar direitos que nos são assegurados, inclusive e principalmente, no suporte de construção de uma política de identidade. Nesse propósito, encontramos em Perlin:
“... o estereótipo sobre o surdo jamais acolhe o ser surdo, pois mobiliza-o a uma representação contraditória, a uma representação que não conduz a uma política da identidade. O estereótipo faz com que as pessoas se oponham, às vezes disfarçadamente, e evitem a construção da identidade surda, cuja representação é o estereótipo da sua composição distorcida e inadequada...”(6)
Os estudos e pesquisas do grupo atuante (SAP) em nossa unidade escolar se detiveram nas verdades que asseguram, garantem e orientam que a proposta educacional moldada nesses princípios deve ser corajosa, deve propor a educadores e à comunidade escolar em geral, a reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, suas responsabilidades, sua cultura, sua historicidade, seus valores e seu papel numa sociedade competitiva, desigual e em transição.
Assim, viver, ensinar, aprender e conviver exige a dimensão maior do ser no processo de aceitação ao outro, já que a sociedade, durante tanto tempo, deixou à mercê da própria sorte as crianças, jovens e adolescentes “diferentes”, mantendo-os “guardados” numa redoma de vidro sem ter acesso a um mínimo de credibilidade, de educação de qualidade, de possibilidades, principalmente os alunos surdos e os alunos “ouvintes” oriundos das classes populares, o que, de acordo com Freire:
“O sujeito que se abre ao mundo e aos outros, inaugura com o seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inclusão em permanente movimento na história.”(7)
Essas considerações validam e estimulam os avanços no trabalho pedagógico e instigam principalmente os profissionais da sala do SAP. A escola ainda precisa vencer muitas outras etapas para oferecer, de fato, uma educação de qualidade, não apenas para os alunos surdos, mas também para aos alunos ouvintes, inclusive, se faz necessário investir na sensibilização dos professores que ainda, indiferentes ao processo, dificultam e, muitas vezes, até ignoram o trabalho realizado pelos profissionais que atuam na sala do SAP, profissionais que mediam as relações interpessoais e pedagógicas entre esses professores e os alunos surdos.
São muitos os entraves, a inclusão tem início na família e continua na escola:, e,
“Uma escola inclusiva é aquela que respeita e valoriza as diferenças em todos os seus aspectos culturais, sociais, psíquicos, físicos e mentais...”.(8)


(6) Perlin (1998:54)
(7) Freire ( p.59)
(8) Stainback (199: 9)
Por isso, outro desafio é oportunizar a construção do conhecimento a partir de com atividades sistematizadas no conhecimento das ciências, nas artes e das linguagens e ajustadas às habilidades e necessidades desses alunos que vivem uma cultura e historicidade própria e um processo de letramento, de leitura e de escrita conflitante, alunos que são capazes de avanços e de aprendizagens significativas, alunos merecedores de inserção plena, cujos resultados asseguram-lhes a essência do ato de ensinar-aprender que promove a cooperação e a paz social, como nos assegura Strobel em:
“Dessa maneira os elementos mais importantes da cultura podem ser destacados como as habilidades dos sujeitos para construir sua identidade em usar a linguagem” (9).
È crucial eliminar os equívocos sobre a abordagem do conhecimento desse aluno surdo ou de qualquer outro tipo de aluno que apresente qualquer outro grau de deficiência. O contexto da inclusão na escola regular é um processo histórico e social. É de fundamental importância compreender que a identidade desse aluno está relacionada às suas próprias limitações e às suas capacidades de ser, fazer e de viver a sua descoberta como sujeito singular, original, único e capaz de comunicar-se através de LIBRAS, de ler e escrever em língua portuguesa, de expressar-se através do corpo e, ainda, que possa ser compreendido e inserido numa realidade marcada por contradições, desafios e desigualdades sociais comuns a todos, ouvintes ou não.
É imprescindível no processo de educação o reconhecimento de todos e a consciência das infinitas relações que o homem estabelece com o mundo independente da realidade que muitas vezes, condiciona, oprime, inibe e limita as ações pessoais, físicas, filosóficas ou sociais. Esse reconhecimento, portanto, é o elemento chave para a melhoria da educação.
No entanto, é a consciência dessas limitações que abre espaços, expande, oferece, se disponibiliza e promove outras possibilidades que, plenamente desenvolvidas, favorecem o resgate da cidadania no exercício da leitura do mundo na contemporaneidade.
As orientações dos profissionais da sala de apoio aos alunos surdos, insistem nessas verdades e desenvolve o trabalho pedagógico quase eficiente acreditando que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. E, assim, planejam e executam suas práticas alicerçadas em leituras para suprir as necessidades desses alunos, insistindo no apoio de todos os professores e das famílias que resistem aprender a linguagem dos sinais.
Importante considerar que ainda não foi oficializada no estado da Bahia o ensino de LIBRAS, que não existem interpretes e instrutores atuando em escolas ou salas de aula, nem mesmo se constitui em profissão reconhecida, os cursos de graduação em educação não preparam os formandos para o atendimento dessa realidade, todos são fatores que contribuem para a lentidão desse processo de inclusão.
Nesse contexto de entraves e dificuldades, as ações do SAP são valiosas, suprem essas necessidades e oferecem LIBRAS aos estudantes surdos e ouvintes substituindo as aulas de religião, sensibilizam os demais professores para a inclusão, promovem encontros semanais para planejamento das atividades com objetivos específicos, lança mão das adaptações e estratégias metodológicas para as diferentes áreas do conhecimento e, juntamente com a coordenação, procuram dar assistência aos problemas de ordem pessoais, emocionais e pedagógicas que os alunos vivenciam.
Todo o trabalho é realizado na perspectiva de leituras, pesquisas, planejamento de ações, ênfase na observação, registros e avaliação contínua, que integrados, tem assegurado retrocessos, mas, em especial, obtidos progressos no acompanhamento e atendimento pedagógico aos alunos, validando o que estabelecem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, na Lei 7.853/89, nos Decretos nºs 3.298/99 e 3.956/01 e no Decreto de Acessibilidade nº 5.296/04.
Hoje, onze anos após o início desse trabalho, o Colégio Estadual Raphael Serravalle continua recebendo alunos, acolhendo a todos em salas de aulas regulares, insistindo na mobilização de um número cada vez maior de professores e encontra-se aberta, disponível a outras comunidades, universidades e especialistas que queiram contribuir e, não somente visitar ou conhecer a nossa sala de apoio.
Através da SAP, os projetos desenvolvidos asseguram a realização de oficinas de leitura e de escrita a partir de tipologias diversas em língua portuguesa, como segunda língua,atividades sempre enriquecidas pela linguagem em LIBRAS com o objetivo de promover a auto-estima e a valorização da cultura na diferença lingüística desses alunos surdos.





(9) Strobel:2008;p18),
Outro exemplo de sucesso é a prática do Projeto “Interiorizando Conteúdos”, que, em síntese, trata da retomada de conteúdos trabalhados nas aulas regulares, uma parceria que conta com os professores atuando no turno oposto às suas aulas. Nos horários semanais de coordenação os professores da SAP e demais professores estabelecem prioridades, e, por meio de ações dialógicas buscam estratégias que facilitem a construção de conhecimentos desses alunos. Realizam também o exercício de atendimento diário aos alunos que apresentem problemas de ordem pessoal e/ou pedagógica o que contribui para a melhoria do trabalho e favorece as relações interpessoais.
A escola, através do SAP promove eventos de socialização e sensibilização à comunidade, atendimento às famílias, estabelecimento de critérios específicos nos Conselhos de Classe para o acompanhamento do aluno surdo, organiza e participa de seminários internos e nacionais.
São muitas as atividades, a SAP formaliza grupos de estudos em que as atividades enfatizam as especificidades de campo conceitual de vocábulos e expressões como: “Segregação, Juízo de valor, Racismo, Discriminação, Preconceito, Diversidade, Gênero, Juízo de fato, Validação, Inclusão, Integração, Interação, Etnia, Estereotipo, Cidadania” e outros que, em síntese, contemplam a melhor compreensão do processo de inserção, de inclusão e asseguram melhores relações de respeito, solidariedade e igualdade quanto à etnia, crenças e ideologia.
A SAP participa freqüentemente de reuniões externas com a Secretaria de Educação, de Seminários, Mesa-redonda e outros eventos em diferentes faculdades, sempre com o objetivo de socializar a dinâmica de atendimento aos surdos. Nesses eventos faz explanações que incluem a prática da Monitoria, Oficinas de leituras e arte, Gincana, Visitas ao teatro, à reserva de Sapiranga, parques e outros espaços culturais, além da realização de outras atividades pedagógicas que envolvem a manifestação lúdica, educativa e prazerosa de teatro, recital de poesias, painéis e até coral.
Vale enfatizar o estímulo dos profissionais da SAP aos alunos surdos para que estes pratiquem e participem, juntamente com os demais alunos, das atividades lúdicas, das manifestações e expressões da arte nas suas diversas formas. Nossa escola acredita no princípio revolucionário que atribui a todos, independente de talentos especiais, o conjunto de habilidades capazes de manifestações culturais que expressam o estar, ser, viver e compreender o mundo, seja através da expressão do corpo, do gesto, do movimento, da expressão plástica, visual ou através da linguagem dos sinais.
Entre tantas atividades realizadas destacamos a elaboração, execução e acompanhamento de projetos com temas diversos, a exemplo de: “O Colégio Raphael Serravalle na construção da cidadania”, “A química no cotidiano”, “Direitos e deveres”, “Diferenças e preconceitos”, “A bioquímica da célula”, “Construção de dicionário ilustrado de biologia”, “Alimentos alternativos”, “Adote um surdo como amigo”, “Somos afro-descendentes”, “Trabalho, justiça e cidadania”, “Educação fiscal” e outros.
Nesse contexto, a escola atende alunos surdos nos três turnos de funcionamento, e, seu espaço de vivência, interação e inclusão estabelecem a sua função social que é, por excelência, se não oferecer uma educação de qualidade, pelo menos que permaneçamos investindo, acreditando e trabalhando para eliminar as desigualdades sociais, o desrespeito à diversidade.
Assim, em nossas ações procuramos assegurar que a nossa escola seja um espaço social democrático, em que os valores exercitados contribuam efetivamente para que todos os alunos, crianças, jovens e adolescentes, surdos ou ouvintes, sejam o que são, com são, mas que se tornem mais enriquecidos enquanto seres humanos, confiantes, capazes de escolher com consciência, a sua trajetória de vida de modo a torná-la mais respeitosa para si e para os outros e, sobretudo, que sejam pessoas mais felizes.









Referencia Bibliográfica:

BYINGTON, Carlos Amadeu. Pedagogia Simbólica: A construção amorosa do
Conhecimento do ser. Rio de Janeiro, RJ: Rosas dos tempos, 1996.
PERLIN, Gladis. Identidades Surdas. In: SKLIAR, C. (Org.) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.
__________. Identidade Surda e Educação. In: BERGAMASCHI, Rosi I; MARTINS, R. Discursos atuais sobre a surdez. Canoas: La Salle, 1996.
QUADROS, Ronice Müller & PERLIN Gladis. Estudos surdos II. RJ: Arara azul,2007.
SKLIAR, Carlos (Org.). Educação e exclusão. Abordagens sócio-antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Editora Mediação, 1997.
__________. Os estudos surdos em educação: problematizando a normalidade. In: _______ (Org.) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.











A CONSTRUÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA IDENTIDADE SURDA E AS AÇÕES INCLUSIVAS NO COLÉGIO ESTADUAL RAPHAEL SERRAVALLE.
Lizeth M. Mira*
Ramilton Oliveira Cordeiro**
Rosemary Borges***

SUMÁRIO

O presente estudo aborda o processo de construção da identidade dos alunos surdos e as ações inclusivas do Colégio Estadual Raphael Serravale, apresentado no I Congresso de Educação Inclusiva, no Centro de Convenções em Salvador, promovido pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), no ano de 2007. Trata-se do relato feito pelo professor Ramilton de Oliveira Cordeiro, diretor da unidade escolar. As considerações sobre o tema abordam a trajetória histórica do processo de inclusão dos alunos surdos na unidade escolar, os retrocessos e os avanços na atuação do grupo de profissionais, professores especialistas e coordenadores que atuam na sala de apoio pedagógico (SAP). Os resultados, até então obtidos, resultam da dinâmica de leituras, estudos e buscas constantes de fundamentação teórica que subsidiam as ações desenvolvidas no trabalho realizado. De acordo com o professor Ramilton, foram muitos os conflitos e divergências entre o grupo de professores na elaboração, execução e acompanhamento do planejamento e das atividades que configuram a dinâmica da ação-reflexão-ação ao tempo em que se consolidam os objetivos, as estratégias, a metodologia e as ações de inserção dos alunos surdos na comunidade escolar.
Palavras chaves: IDENTIDADE – INCLUSÃO – PLANEJAMENTO





*pedagoga (UFBA), pós-graduada, professora do Colégio São Paulo e coordenadora do CERS lizethmira@yahoo.com.br .
**Geógrafo,(UCSAL), pós-graduado, diretor do Colégio Estadual Raphael Serravalle. ramcordeiro@yhaoo.com.br
*** pedagoga e filósofa, (UCSAL), pós-graduada, professora da Sala de Apoio Pedagógico (SAP) roseborgestomagal@ig.com.br.
INTRODUÇÃO

Considerar nesse estudo o processo e a importância da inclusão dos alunos surdos na escola regular como é a nossa, num contexto em que as pesquisas nacionais apontam para resultados catastróficos de ineficiência da educação é, sobretudo, focar toda a dinâmica do nosso trabalho nas considerações que apontam os avanços até então obtidos e que estão assegurados no objetivo que o Colégio Estadual Raphael Serravalle se propõe: “favorecer o processo de inclusão social e pedagógica dos alunos surdos na comunidade escolar, visando a construção do conhecimento, a socialização e a autonomia”.
Em princípio, para o alcance desse objetivo, compreendemos que a comunidade escolar só é de fato uma comunidade, quando todas ou a maioria das pessoas envolvidas participam, contribuem e colaboram com os propósitos da educação e com a vida da escola. Sensibilizar a comunidade para esses propósitos é um desafio que exige tempo, paciência e persistência, e, desafio ainda maior quando a maioria dessas pessoas ignoram a importância da inclusão e a dimensão das necessidades especiais dos nossos alunos surdos.
Por inclusão pedagógica, o nosso propósito é o de acolher e oferecer a esses alunos as oportunidades para que possam observar e interpretar, ler e escrever, expressar e comunicar-se com o mundo que os cercam, estabelecendo as mais diversas relações, em LIBRAS ou não, mas em tantas outras formas de expressões que manifestem a construção do conhecimento, da interação e, sobretudo, da socialização.
Quanto a conquista da autonomia, só a compreendemos como o valor implicitamente relacionado às manifestações desse aluno ser capaz de autogovernar-se com ética, respeito e determinação a fim de que, na teia das relações que estabelece consigo próprio e com o mundo, possa sentir e viver intensamente o seu momento, compreender os seus limites e extrapolar os seus espaços.
Para isso, os recursos metodológicos que permeiam as ações inclusivas aos nossos alunos surdos se fundamentam no desenvolvimento de atividades teóricas e práticas com o material de apoio existente na SAP (sala de apoio pedagógico ao aluno surdo), e a realização de projetos didáticos comuns a todos os alunos, surdos e ouvintes, e que contemplam temas pertinentes à inclusão e ao respeito à diversidade cultural.
Assim, numa cultura em que a fala é elemento dominante, numa escola regular com as carências de recursos que é de conhecimento da sociedade, assegurar o desenvolvimento e a construção da identidade surda requer dentre outros tantas ações e outros tantos elementos, que tenhamos, sobretudo, a compreensão necessária para flexibilizar os desejos e necessidades de socialização, aceitação, construção de conhecimento e de autonomia desses alunos. Sobre isso, Perlim, enriquece a nossa crença ao expressar que:
“... a identidade surda sempre está em proximidade, em situação de necessidade com o outro igual. O sujeito surdo nas suas múltiplas identidades sempre está em situação de necessidade diante da identidade surda”. (l)

























(1) Perlim (l998: p 53)
NOSSA HISTÓRIA, NOSSAS EXPERIÊNCIAS.

Há exatamente 26 anos o COLÉGIO Estadual Raphael Serravalle, situado à Rua Guillard Minuz, s/n, Cep 41810110 – Salvador – Bahia, (071) 33597855, iniciou uma nova experiência em sua unidade escolar recebendo a primeira classe especial com orientação para o atendimento aos alunos surdos com base na filosofia oralista, seguida da comunicação total e do processo de estimulação precoce.
Para isso, organizou o jardim infantil, a alfabetização e as séries iniciais do ensino fundamental e centralizou o atendimento em apenas uma sala com todos os estudantes surdos no turno matutino. No entusiasmo de freqüentar uma grande unidade escolar, os estudantes surdos, mesmo sentindo o estranhamento da comunidade, criaram o vinculo afetivo com a escola e acreditaram no trabalho desenvolvido pelos profissionais. Sobre isso, nos detivemos em Quadros:
“os povos surdos estão cada vez mais motivados pela valorização de suas “diferenças” e assim respiram com mais orgulho a riqueza de suas condições culturais e temos orgulho de sermos simplesmente autênticos “surdos””.(2)
A demanda superou as expectativas e, diante da grande procura, a escola sentiu a necessidade de implantar nova turma no turno vespertino para acolher novos alunos e as respectivas famílias que não tinham nenhuma orientação para mediar as dificuldades de comunicação, de interação e de acompanhamento na aprendizagem dos seus filhos.
Nessa constatação, foi necessário que a escola organizasse um trabalho específico de apoio às famílias, ensinando-lhes um vocabulário básico no sentido de diminuir, principalmente, as barreiras de comunicação existentes entre pais e filhos.
A comunidade escolar ainda, no estranhamento e indiferença aos alunos surdos, erroneamente, estabeleceu intervalos de recreação em horários diferenciados, mantendo-os distantes dos demais estudantes, reforçando a tese de considerá-los como pessoas “estranhas ao ninho”. O desconhecimento da realidade, da cultura e da natureza da surdez não favorecia a proximidade, o estabelecimento de relações e a aceitação plena desses alunos.




(2) Quadros, (2007, 34)
Essa realidade permaneceu até o ano de 1996, quando para nossa surpresa, a escola recebeu a notícia de que “seríamos, de fato, uma escola de inclusão”, que deveríamos receber os alunos surdos e mantê-los nas mesmas salas dos alunos ouvintes. A sala de apoio que até então realizava um trabalho à parte, atendendo apenas o grupo de alunos surdos, tornar-se-ia sala de apoio pedagógico.
Os profissionais que atuavam na sala de apoio, sem conhecimento sistematizado, internalizaram a determinação da SEC e mergulharam numa busca incansável de leituras e estudos para vencer os desafios que lhes eram impostos. E, nessas leituras se detiveram em Mantoan, quando afirma que:
“faz-se necessário que a inclusão aconteça sem esperar a boa vontade da sociedade, pois naturalmente não acontece...”.(3)
Mesmo no desejo de acertar, a insegurança tomou conta de toda a escola, o desconhecimento em como se comunicar com os surdos e, na insatisfação da determinação da Secretaria de Educação, alguns professores afirmavam ser impossível, sem formação específica, atender e favorecer o desenvolvimento desses alunos, justificando ausência de metodologia específica, de bibliografia, de material de apoio, de relatos de sucesso no trabalho prático com os alunos surdos, agravados pelo descaso das famílias.
No entanto, esses fatores foram determinantes para o grupo de professores da SAP, que abraçaram a causa e aceitaram o desafio de acolher, atender e favorecer o desenvolvimento das habilidades diferenciadas desses alunos, assim como mediar os conflitos que se instalaram em nossa unidade escolar.
Foram muitas as ações desencontradas em que prevaleceu o processo de “oralismo” de “achismo”. Contudo, na relatividade das opiniões, preferências, escolhas, crenças e valores, deu-se, entre os professores, a troca de informações das suas práticas desenvolvidas, das estratégias e ações consideradas não produtivas, como também das ações que obtiveram progresso e sucesso.






(3) Mantoan, (1997; p 14)
Nossas ações sempre estão relacionadas ao processo de comunicação e de aprendizagem do surdo, porque quando educador e educando se encontram numa relação amorosa, de cumplicidade, de desejo de construírem juntos a história, a partir das suas próprias histórias, isso implica no desenvolvimento dessa identidade surda onde o sujeito reafirma a sua identidade na interação com a sua cultura, sua história e o seu trabalho.
Essa crença e aplicabilidade prática dão a noção exata da importância de ater-se às relações que se processam entre educação-trabalho-escola-alunos, nestas, o educador deve conhecer quem é o seu aluno surdo ou ouvinte, assim como saber o que ele precisa e o que pode aprender. Para incluir, o professor precisa rever o que ensina, perguntar se o que faz em sala de aula engloba as necessidades do grupo de alunos que atende, incluindo o surdo. Para isso deve lançar mão de pelo menos dois critérios essenciais, o da aplicabilidade: “- Junto com o que vou ensinar hoje, está incluído a sua utilização na vida?”, e o critério de utilidade em que se pergunta:
“Esta aplicação tem importância na minha vida, na vida das pessoas e na vida em geral?“
Essa prática dialógica vem assegurar a existência dos vínculos afetivos entre as pessoas em nossa unidade escolar, no “deixar-se conhecer” as considerações envolvidas explicitam a própria história de vida de cada um, e, permite a construção do respeito mútuo o elemento imprescindível nas relações humanas.
Os alunos continuaram chegando e se organizando nos seus grupos sem estabelecer nenhuma interação com os demais alunos. Os professores, sem informações ou conhecimentos de que muitos desses alunos não oralizavam, outros não faziam leituras labiais, e outros que pouco ou nada escutavam, condições agravadas pela falta de formação ou fundamentação teórica, acataram as sugestões dos profissionais da SAP para colocar os alunos surdos sentados à frente, falar devagar, olhar diretamente para os mesmos e escrever o máximo possível no quadro. Tais orientações, destituídas de fundamentação teórica e, que em nada contribuem para a formação da identidade surdo do aluno, são considerações que encontram-se expressas em Skiliar, quando:
“... é um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte...”(5)


(4) Byington, 1996: p.19)”.
(5) Skiliar (1998, p 15)
Alguns professores mais sensibilizados se inquietavam diante da realidade no atendimento ao aluno surdo, outros indiferentes ao problema, em nada mudaram em suas práticas que favorecessem o acolhimento e o mínimo de desenvolvimento de aprendizagem desses alunos. No entanto, a maioria dos alunos “ouvintes”, convidados a conhecer, participar e se tornarem parceiros da SAP manifestaram os sentimentos de solidariedade, um valor trabalhado em nosso Projeto Político Pedagógico e, aos poucos começaram a interagir com os colegas surdos.
Somente em 1998, foram ministrados os primeiros cursos de LIBRAS. Nesse período, apenas quatro professores tiveram acesso e oportunidade de fazê-lo e, ainda hoje, ainda existem professores que resistem à idéia de aprender LIBRAS.
O grupo de professores, que atuam na sala da SAP, conscientes das dificuldades de interação, do processo de comunicação, da resistência dos demais professores, de material didático específico, da total ausência de apoio das famílias e, principalmente das dificuldades de aprendizagem desses alunos, investiram no processo de inclusão com o aval da direção e dos coordenadores e, juntos, continuaram buscando meios que favorecessem a melhor qualidade no trabalho de assistência a esse grupo de alunos tão especiais.
É natural. O processo de inclusão exige a compreensão do ser, da aceitação às diferenças, de manifestações de profissionalismo e do estabelecimento de relações interpessoais que sejam mais verdadeiras, suficientes para superar a mediação de conflitos, aceitação e respeito ao erro, e instigar reflexões mais profundas na dialética ação-reflexão-ação, sobretudo, porque, aceitar e viver o processo de inclusão na sua plenitude é característica comum aos educadores, porém, elemento ausente àqueles que atuam somente como professores.
Em função do desconhecimento das causas da surdez, no egoísmo da não aceitação às diferenças, na indiferença à inclusão e, na falta de estabelecimento de relações com os surdos, nós ouvintes, limitamos as possibilidades de aprendizagem desses alunos. O termo surdo está socialmente envolto em estigma de incapacidades, é estereótipo de deficiência, o que por si só, configura a urgência de (re)aprendermos os propósitos da educação para o exercício cidadão que sugere o cumprimento de deveres e a capacidade de reivindicar direitos que nos são assegurados, inclusive e principalmente, no suporte de construção de uma política de identidade. Nesse propósito, encontramos em Perlin:
“... o estereótipo sobre o surdo jamais acolhe o ser surdo, pois mobiliza-o a uma representação contraditória, a uma representação que não conduz a uma política da identidade. O estereótipo faz com que as pessoas se oponham, às vezes disfarçadamente, e evitem a construção da identidade surda, cuja representação é o estereótipo da sua composição distorcida e inadequada...”(6)
Os estudos e pesquisas do grupo atuante (SAP) em nossa unidade escolar se detiveram nas verdades que asseguram, garantem e orientam que a proposta educacional moldada nesses princípios deve ser corajosa, deve propor a educadores e à comunidade escolar em geral, a reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, suas responsabilidades, sua cultura, sua historicidade, seus valores e seu papel numa sociedade competitiva, desigual e em transição.
Assim, viver, ensinar, aprender e conviver exige a dimensão maior do ser no processo de aceitação ao outro, já que a sociedade, durante tanto tempo, deixou à mercê da própria sorte as crianças, jovens e adolescentes “diferentes”, mantendo-os “guardados” numa redoma de vidro sem ter acesso a um mínimo de credibilidade, de educação de qualidade, de possibilidades, principalmente os alunos surdos e os alunos “ouvintes” oriundos das classes populares, o que, de acordo com Freire:
“O sujeito que se abre ao mundo e aos outros, inaugura com o seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inclusão em permanente movimento na história.”(7)
Essas considerações validam e estimulam os avanços no trabalho pedagógico e instigam principalmente os profissionais da sala do SAP. A escola ainda precisa vencer muitas outras etapas para oferecer, de fato, uma educação de qualidade, não apenas para os alunos surdos, mas também para aos alunos ouvintes, inclusive, se faz necessário investir na sensibilização dos professores que ainda, indiferentes ao processo, dificultam e, muitas vezes, até ignoram o trabalho realizado pelos profissionais que atuam na sala do SAP, profissionais que mediam as relações interpessoais e pedagógicas entre esses professores e os alunos surdos.
São muitos os entraves, a inclusão tem início na família e continua na escola:, e,
“Uma escola inclusiva é aquela que respeita e valoriza as diferenças em todos os seus aspectos culturais, sociais, psíquicos, físicos e mentais...”.(8)


(6) Perlin (1998:54)
(7) Freire ( p.59)
(8) Stainback (199: 9)
Por isso, outro desafio é oportunizar a construção do conhecimento a partir de com atividades sistematizadas no conhecimento das ciências, nas artes e das linguagens e ajustadas às habilidades e necessidades desses alunos que vivem uma cultura e historicidade própria e um processo de letramento, de leitura e de escrita conflitante, alunos que são capazes de avanços e de aprendizagens significativas, alunos merecedores de inserção plena, cujos resultados asseguram-lhes a essência do ato de ensinar-aprender que promove a cooperação e a paz social, como nos assegura Strobel em:
“Dessa maneira os elementos mais importantes da cultura podem ser destacados como as habilidades dos sujeitos para construir sua identidade em usar a linguagem” (9).
È crucial eliminar os equívocos sobre a abordagem do conhecimento desse aluno surdo ou de qualquer outro tipo de aluno que apresente qualquer outro grau de deficiência. O contexto da inclusão na escola regular é um processo histórico e social. É de fundamental importância compreender que a identidade desse aluno está relacionada às suas próprias limitações e às suas capacidades de ser, fazer e de viver a sua descoberta como sujeito singular, original, único e capaz de comunicar-se através de LIBRAS, de ler e escrever em língua portuguesa, de expressar-se através do corpo e, ainda, que possa ser compreendido e inserido numa realidade marcada por contradições, desafios e desigualdades sociais comuns a todos, ouvintes ou não.
É imprescindível no processo de educação o reconhecimento de todos e a consciência das infinitas relações que o homem estabelece com o mundo independente da realidade que muitas vezes, condiciona, oprime, inibe e limita as ações pessoais, físicas, filosóficas ou sociais. Esse reconhecimento, portanto, é o elemento chave para a melhoria da educação.
No entanto, é a consciência dessas limitações que abre espaços, expande, oferece, se disponibiliza e promove outras possibilidades que, plenamente desenvolvidas, favorecem o resgate da cidadania no exercício da leitura do mundo na contemporaneidade.
As orientações dos profissionais da sala de apoio aos alunos surdos, insistem nessas verdades e desenvolve o trabalho pedagógico quase eficiente acreditando que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. E, assim, planejam e executam suas práticas alicerçadas em leituras para suprir as necessidades desses alunos, insistindo no apoio de todos os professores e das famílias que resistem aprender a linguagem dos sinais.
Importante considerar que ainda não foi oficializada no estado da Bahia o ensino de LIBRAS, que não existem interpretes e instrutores atuando em escolas ou salas de aula, nem mesmo se constitui em profissão reconhecida, os cursos de graduação em educação não preparam os formandos para o atendimento dessa realidade, todos são fatores que contribuem para a lentidão desse processo de inclusão.
Nesse contexto de entraves e dificuldades, as ações do SAP são valiosas, suprem essas necessidades e oferecem LIBRAS aos estudantes surdos e ouvintes substituindo as aulas de religião, sensibilizam os demais professores para a inclusão, promovem encontros semanais para planejamento das atividades com objetivos específicos, lança mão das adaptações e estratégias metodológicas para as diferentes áreas do conhecimento e, juntamente com a coordenação, procuram dar assistência aos problemas de ordem pessoais, emocionais e pedagógicas que os alunos vivenciam.
Todo o trabalho é realizado na perspectiva de leituras, pesquisas, planejamento de ações, ênfase na observação, registros e avaliação contínua, que integrados, tem assegurado retrocessos, mas, em especial, obtidos progressos no acompanhamento e atendimento pedagógico aos alunos, validando o que estabelecem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, na Lei 7.853/89, nos Decretos nºs 3.298/99 e 3.956/01 e no Decreto de Acessibilidade nº 5.296/04.
Hoje, onze anos após o início desse trabalho, o Colégio Estadual Raphael Serravalle continua recebendo alunos, acolhendo a todos em salas de aulas regulares, insistindo na mobilização de um número cada vez maior de professores e encontra-se aberta, disponível a outras comunidades, universidades e especialistas que queiram contribuir e, não somente visitar ou conhecer a nossa sala de apoio.
Através da SAP, os projetos desenvolvidos asseguram a realização de oficinas de leitura e de escrita a partir de tipologias diversas em língua portuguesa, como segunda língua,atividades sempre enriquecidas pela linguagem em LIBRAS com o objetivo de promover a auto-estima e a valorização da cultura na diferença lingüística desses alunos surdos.





(9) Strobel:2008;p18),
Outro exemplo de sucesso é a prática do Projeto “Interiorizando Conteúdos”, que, em síntese, trata da retomada de conteúdos trabalhados nas aulas regulares, uma parceria que conta com os professores atuando no turno oposto às suas aulas. Nos horários semanais de coordenação os professores da SAP e demais professores estabelecem prioridades, e, por meio de ações dialógicas buscam estratégias que facilitem a construção de conhecimentos desses alunos. Realizam também o exercício de atendimento diário aos alunos que apresentem problemas de ordem pessoal e/ou pedagógica o que contribui para a melhoria do trabalho e favorece as relações interpessoais.
A escola, através do SAP promove eventos de socialização e sensibilização à comunidade, atendimento às famílias, estabelecimento de critérios específicos nos Conselhos de Classe para o acompanhamento do aluno surdo, organiza e participa de seminários internos e nacionais.
São muitas as atividades, a SAP formaliza grupos de estudos em que as atividades enfatizam as especificidades de campo conceitual de vocábulos e expressões como: “Segregação, Juízo de valor, Racismo, Discriminação, Preconceito, Diversidade, Gênero, Juízo de fato, Validação, Inclusão, Integração, Interação, Etnia, Estereotipo, Cidadania” e outros que, em síntese, contemplam a melhor compreensão do processo de inserção, de inclusão e asseguram melhores relações de respeito, solidariedade e igualdade quanto à etnia, crenças e ideologia.
A SAP participa freqüentemente de reuniões externas com a Secretaria de Educação, de Seminários, Mesa-redonda e outros eventos em diferentes faculdades, sempre com o objetivo de socializar a dinâmica de atendimento aos surdos. Nesses eventos faz explanações que incluem a prática da Monitoria, Oficinas de leituras e arte, Gincana, Visitas ao teatro, à reserva de Sapiranga, parques e outros espaços culturais, além da realização de outras atividades pedagógicas que envolvem a manifestação lúdica, educativa e prazerosa de teatro, recital de poesias, painéis e até coral.
Vale enfatizar o estímulo dos profissionais da SAP aos alunos surdos para que estes pratiquem e participem, juntamente com os demais alunos, das atividades lúdicas, das manifestações e expressões da arte nas suas diversas formas. Nossa escola acredita no princípio revolucionário que atribui a todos, independente de talentos especiais, o conjunto de habilidades capazes de manifestações culturais que expressam o estar, ser, viver e compreender o mundo, seja através da expressão do corpo, do gesto, do movimento, da expressão plástica, visual ou através da linguagem dos sinais.
Entre tantas atividades realizadas destacamos a elaboração, execução e acompanhamento de projetos com temas diversos, a exemplo de: “O Colégio Raphael Serravalle na construção da cidadania”, “A química no cotidiano”, “Direitos e deveres”, “Diferenças e preconceitos”, “A bioquímica da célula”, “Construção de dicionário ilustrado de biologia”, “Alimentos alternativos”, “Adote um surdo como amigo”, “Somos afro-descendentes”, “Trabalho, justiça e cidadania”, “Educação fiscal” e outros.
Nesse contexto, a escola atende alunos surdos nos três turnos de funcionamento, e, seu espaço de vivência, interação e inclusão estabelecem a sua função social que é, por excelência, se não oferecer uma educação de qualidade, pelo menos que permaneçamos investindo, acreditando e trabalhando para eliminar as desigualdades sociais, o desrespeito à diversidade.
Assim, em nossas ações procuramos assegurar que a nossa escola seja um espaço social democrático, em que os valores exercitados contribuam efetivamente para que todos os alunos, crianças, jovens e adolescentes, surdos ou ouvintes, sejam o que são, com são, mas que se tornem mais enriquecidos enquanto seres humanos, confiantes, capazes de escolher com consciência, a sua trajetória de vida de modo a torná-la mais respeitosa para si e para os outros e, sobretudo, que sejam pessoas mais felizes.









Referencia Bibliográfica:

BYINGTON, Carlos Amadeu. Pedagogia Simbólica: A construção amorosa do
Conhecimento do ser. Rio de Janeiro, RJ: Rosas dos tempos, 1996.
PERLIN, Gladis. Identidades Surdas. In: SKLIAR, C. (Org.) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.
__________. Identidade Surda e Educação. In: BERGAMASCHI, Rosi I; MARTINS, R. Discursos atuais sobre a surdez. Canoas: La Salle, 1996.
QUADROS, Ronice Müller & PERLIN Gladis. Estudos surdos II. RJ: Arara azul,2007.
SKLIAR, Carlos (Org.). Educação e exclusão. Abordagens sócio-antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Editora Mediação, 1997.
__________. Os estudos surdos em educação: problematizando a normalidade. In: _______ (Org.) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.
A CONSTRUÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA IDENTIDADE SURDA E AS AÇÕES INCLUSIVAS NO COLÉGIO ESTADUAL RAPHAEL SERRAVALLE.
Lizeth M. Mira*
Ramilton Oliveira Cordeiro**
Rosemary Borges***

SUMÁRIO

O presente estudo aborda o processo de construção da identidade dos alunos surdos e as ações inclusivas do Colégio Estadual Raphael Serravale, apresentado no I Congresso de Educação Inclusiva, no Centro de Convenções em Salvador, promovido pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), no ano de 2007. Trata-se do relato feito pelo professor Ramilton de Oliveira Cordeiro, diretor da unidade escolar. As considerações sobre o tema abordam a trajetória histórica do processo de inclusão dos alunos surdos na unidade escolar, os retrocessos e os avanços na atuação do grupo de profissionais, professores especialistas e coordenadores que atuam na sala de apoio pedagógico (SAP). Os resultados, até então obtidos, resultam da dinâmica de leituras, estudos e buscas constantes de fundamentação teórica que subsidiam as ações desenvolvidas no trabalho realizado. De acordo com o professor Ramilton, foram muitos os conflitos e divergências entre o grupo de professores na elaboração, execução e acompanhamento do planejamento e das atividades que configuram a dinâmica da ação-reflexão-ação ao tempo em que se consolidam os objetivos, as estratégias, a metodologia e as ações de inserção dos alunos surdos na comunidade escolar.
Palavras chaves: IDENTIDADE – INCLUSÃO – PLANEJAMENTO





*pedagoga (UFBA), pós-graduada, professora do Colégio São Paulo e coordenadora do CERS lizethmira@yahoo.com.br .
**Geógrafo,(UCSAL), pós-graduado, diretor do Colégio Estadual Raphael Serravalle. ramcordeiro@yhaoo.com.br
*** pedagoga e filósofa, (UCSAL), pós-graduada, professora da Sala de Apoio Pedagógico (SAP) roseborgestomagal@ig.com.br.
INTRODUÇÃO

Considerar nesse estudo o processo e a importância da inclusão dos alunos surdos na escola regular como é a nossa, num contexto em que as pesquisas nacionais apontam para resultados catastróficos de ineficiência da educação é, sobretudo, focar toda a dinâmica do nosso trabalho nas considerações que apontam os avanços até então obtidos e que estão assegurados no objetivo que o Colégio Estadual Raphael Serravalle se propõe: “favorecer o processo de inclusão social e pedagógica dos alunos surdos na comunidade escolar, visando a construção do conhecimento, a socialização e a autonomia”.
Em princípio, para o alcance desse objetivo, compreendemos que a comunidade escolar só é de fato uma comunidade, quando todas ou a maioria das pessoas envolvidas participam, contribuem e colaboram com os propósitos da educação e com a vida da escola. Sensibilizar a comunidade para esses propósitos é um desafio que exige tempo, paciência e persistência, e, desafio ainda maior quando a maioria dessas pessoas ignoram a importância da inclusão e a dimensão das necessidades especiais dos nossos alunos surdos.
Por inclusão pedagógica, o nosso propósito é o de acolher e oferecer a esses alunos as oportunidades para que possam observar e interpretar, ler e escrever, expressar e comunicar-se com o mundo que os cercam, estabelecendo as mais diversas relações, em LIBRAS ou não, mas em tantas outras formas de expressões que manifestem a construção do conhecimento, da interação e, sobretudo, da socialização.
Quanto a conquista da autonomia, só a compreendemos como o valor implicitamente relacionado às manifestações desse aluno ser capaz de autogovernar-se com ética, respeito e determinação a fim de que, na teia das relações que estabelece consigo próprio e com o mundo, possa sentir e viver intensamente o seu momento, compreender os seus limites e extrapolar os seus espaços.
Para isso, os recursos metodológicos que permeiam as ações inclusivas aos nossos alunos surdos se fundamentam no desenvolvimento de atividades teóricas e práticas com o material de apoio existente na SAP (sala de apoio pedagógico ao aluno surdo), e a realização de projetos didáticos comuns a todos os alunos, surdos e ouvintes, e que contemplam temas pertinentes à inclusão e ao respeito à diversidade cultural.
Assim, numa cultura em que a fala é elemento dominante, numa escola regular com as carências de recursos que é de conhecimento da sociedade, assegurar o desenvolvimento e a construção da identidade surda requer dentre outros tantas ações e outros tantos elementos, que tenhamos, sobretudo, a compreensão necessária para flexibilizar os desejos e necessidades de socialização, aceitação, construção de conhecimento e de autonomia desses alunos. Sobre isso, Perlim, enriquece a nossa crença ao expressar que:
“... a identidade surda sempre está em proximidade, em situação de necessidade com o outro igual. O sujeito surdo nas suas múltiplas identidades sempre está em situação de necessidade diante da identidade surda”. (l)

























(1) Perlim (l998: p 53)
NOSSA HISTÓRIA, NOSSAS EXPERIÊNCIAS.

Há exatamente 26 anos o COLÉGIO Estadual Raphael Serravalle, situado à Rua Guillard Minuz, s/n, Cep 41810110 – Salvador – Bahia, (071) 33597855, iniciou uma nova experiência em sua unidade escolar recebendo a primeira classe especial com orientação para o atendimento aos alunos surdos com base na filosofia oralista, seguida da comunicação total e do processo de estimulação precoce.
Para isso, organizou o jardim infantil, a alfabetização e as séries iniciais do ensino fundamental e centralizou o atendimento em apenas uma sala com todos os estudantes surdos no turno matutino. No entusiasmo de freqüentar uma grande unidade escolar, os estudantes surdos, mesmo sentindo o estranhamento da comunidade, criaram o vinculo afetivo com a escola e acreditaram no trabalho desenvolvido pelos profissionais. Sobre isso, nos detivemos em Quadros:
“os povos surdos estão cada vez mais motivados pela valorização de suas “diferenças” e assim respiram com mais orgulho a riqueza de suas condições culturais e temos orgulho de sermos simplesmente autênticos “surdos””.(2)
A demanda superou as expectativas e, diante da grande procura, a escola sentiu a necessidade de implantar nova turma no turno vespertino para acolher novos alunos e as respectivas famílias que não tinham nenhuma orientação para mediar as dificuldades de comunicação, de interação e de acompanhamento na aprendizagem dos seus filhos.
Nessa constatação, foi necessário que a escola organizasse um trabalho específico de apoio às famílias, ensinando-lhes um vocabulário básico no sentido de diminuir, principalmente, as barreiras de comunicação existentes entre pais e filhos.
A comunidade escolar ainda, no estranhamento e indiferença aos alunos surdos, erroneamente, estabeleceu intervalos de recreação em horários diferenciados, mantendo-os distantes dos demais estudantes, reforçando a tese de considerá-los como pessoas “estranhas ao ninho”. O desconhecimento da realidade, da cultura e da natureza da surdez não favorecia a proximidade, o estabelecimento de relações e a aceitação plena desses alunos.




(2) Quadros, (2007, 34)
Essa realidade permaneceu até o ano de 1996, quando para nossa surpresa, a escola recebeu a notícia de que “seríamos, de fato, uma escola de inclusão”, que deveríamos receber os alunos surdos e mantê-los nas mesmas salas dos alunos ouvintes. A sala de apoio que até então realizava um trabalho à parte, atendendo apenas o grupo de alunos surdos, tornar-se-ia sala de apoio pedagógico.
Os profissionais que atuavam na sala de apoio, sem conhecimento sistematizado, internalizaram a determinação da SEC e mergulharam numa busca incansável de leituras e estudos para vencer os desafios que lhes eram impostos. E, nessas leituras se detiveram em Mantoan, quando afirma que:
“faz-se necessário que a inclusão aconteça sem esperar a boa vontade da sociedade, pois naturalmente não acontece...”.(3)
Mesmo no desejo de acertar, a insegurança tomou conta de toda a escola, o desconhecimento em como se comunicar com os surdos e, na insatisfação da determinação da Secretaria de Educação, alguns professores afirmavam ser impossível, sem formação específica, atender e favorecer o desenvolvimento desses alunos, justificando ausência de metodologia específica, de bibliografia, de material de apoio, de relatos de sucesso no trabalho prático com os alunos surdos, agravados pelo descaso das famílias.
No entanto, esses fatores foram determinantes para o grupo de professores da SAP, que abraçaram a causa e aceitaram o desafio de acolher, atender e favorecer o desenvolvimento das habilidades diferenciadas desses alunos, assim como mediar os conflitos que se instalaram em nossa unidade escolar.
Foram muitas as ações desencontradas em que prevaleceu o processo de “oralismo” de “achismo”. Contudo, na relatividade das opiniões, preferências, escolhas, crenças e valores, deu-se, entre os professores, a troca de informações das suas práticas desenvolvidas, das estratégias e ações consideradas não produtivas, como também das ações que obtiveram progresso e sucesso.






(3) Mantoan, (1997; p 14)
Nossas ações sempre estão relacionadas ao processo de comunicação e de aprendizagem do surdo, porque quando educador e educando se encontram numa relação amorosa, de cumplicidade, de desejo de construírem juntos a história, a partir das suas próprias histórias, isso implica no desenvolvimento dessa identidade surda onde o sujeito reafirma a sua identidade na interação com a sua cultura, sua história e o seu trabalho.
Essa crença e aplicabilidade prática dão a noção exata da importância de ater-se às relações que se processam entre educação-trabalho-escola-alunos, nestas, o educador deve conhecer quem é o seu aluno surdo ou ouvinte, assim como saber o que ele precisa e o que pode aprender. Para incluir, o professor precisa rever o que ensina, perguntar se o que faz em sala de aula engloba as necessidades do grupo de alunos que atende, incluindo o surdo. Para isso deve lançar mão de pelo menos dois critérios essenciais, o da aplicabilidade: “- Junto com o que vou ensinar hoje, está incluído a sua utilização na vida?”, e o critério de utilidade em que se pergunta:
“Esta aplicação tem importância na minha vida, na vida das pessoas e na vida em geral?“
Essa prática dialógica vem assegurar a existência dos vínculos afetivos entre as pessoas em nossa unidade escolar, no “deixar-se conhecer” as considerações envolvidas explicitam a própria história de vida de cada um, e, permite a construção do respeito mútuo o elemento imprescindível nas relações humanas.
Os alunos continuaram chegando e se organizando nos seus grupos sem estabelecer nenhuma interação com os demais alunos. Os professores, sem informações ou conhecimentos de que muitos desses alunos não oralizavam, outros não faziam leituras labiais, e outros que pouco ou nada escutavam, condições agravadas pela falta de formação ou fundamentação teórica, acataram as sugestões dos profissionais da SAP para colocar os alunos surdos sentados à frente, falar devagar, olhar diretamente para os mesmos e escrever o máximo possível no quadro. Tais orientações, destituídas de fundamentação teórica e, que em nada contribuem para a formação da identidade surdo do aluno, são considerações que encontram-se expressas em Skiliar, quando:
“... é um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte...”(5)


(4) Byington, 1996: p.19)”.
(5) Skiliar (1998, p 15)
Alguns professores mais sensibilizados se inquietavam diante da realidade no atendimento ao aluno surdo, outros indiferentes ao problema, em nada mudaram em suas práticas que favorecessem o acolhimento e o mínimo de desenvolvimento de aprendizagem desses alunos. No entanto, a maioria dos alunos “ouvintes”, convidados a conhecer, participar e se tornarem parceiros da SAP manifestaram os sentimentos de solidariedade, um valor trabalhado em nosso Projeto Político Pedagógico e, aos poucos começaram a interagir com os colegas surdos.
Somente em 1998, foram ministrados os primeiros cursos de LIBRAS. Nesse período, apenas quatro professores tiveram acesso e oportunidade de fazê-lo e, ainda hoje, ainda existem professores que resistem à idéia de aprender LIBRAS.
O grupo de professores, que atuam na sala da SAP, conscientes das dificuldades de interação, do processo de comunicação, da resistência dos demais professores, de material didático específico, da total ausência de apoio das famílias e, principalmente das dificuldades de aprendizagem desses alunos, investiram no processo de inclusão com o aval da direção e dos coordenadores e, juntos, continuaram buscando meios que favorecessem a melhor qualidade no trabalho de assistência a esse grupo de alunos tão especiais.
É natural. O processo de inclusão exige a compreensão do ser, da aceitação às diferenças, de manifestações de profissionalismo e do estabelecimento de relações interpessoais que sejam mais verdadeiras, suficientes para superar a mediação de conflitos, aceitação e respeito ao erro, e instigar reflexões mais profundas na dialética ação-reflexão-ação, sobretudo, porque, aceitar e viver o processo de inclusão na sua plenitude é característica comum aos educadores, porém, elemento ausente àqueles que atuam somente como professores.
Em função do desconhecimento das causas da surdez, no egoísmo da não aceitação às diferenças, na indiferença à inclusão e, na falta de estabelecimento de relações com os surdos, nós ouvintes, limitamos as possibilidades de aprendizagem desses alunos. O termo surdo está socialmente envolto em estigma de incapacidades, é estereótipo de deficiência, o que por si só, configura a urgência de (re)aprendermos os propósitos da educação para o exercício cidadão que sugere o cumprimento de deveres e a capacidade de reivindicar direitos que nos são assegurados, inclusive e principalmente, no suporte de construção de uma política de identidade. Nesse propósito, encontramos em Perlin:
“... o estereótipo sobre o surdo jamais acolhe o ser surdo, pois mobiliza-o a uma representação contraditória, a uma representação que não conduz a uma política da identidade. O estereótipo faz com que as pessoas se oponham, às vezes disfarçadamente, e evitem a construção da identidade surda, cuja representação é o estereótipo da sua composição distorcida e inadequada...”(6)
Os estudos e pesquisas do grupo atuante (SAP) em nossa unidade escolar se detiveram nas verdades que asseguram, garantem e orientam que a proposta educacional moldada nesses princípios deve ser corajosa, deve propor a educadores e à comunidade escolar em geral, a reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, suas responsabilidades, sua cultura, sua historicidade, seus valores e seu papel numa sociedade competitiva, desigual e em transição.
Assim, viver, ensinar, aprender e conviver exige a dimensão maior do ser no processo de aceitação ao outro, já que a sociedade, durante tanto tempo, deixou à mercê da própria sorte as crianças, jovens e adolescentes “diferentes”, mantendo-os “guardados” numa redoma de vidro sem ter acesso a um mínimo de credibilidade, de educação de qualidade, de possibilidades, principalmente os alunos surdos e os alunos “ouvintes” oriundos das classes populares, o que, de acordo com Freire:
“O sujeito que se abre ao mundo e aos outros, inaugura com o seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inclusão em permanente movimento na história.”(7)
Essas considerações validam e estimulam os avanços no trabalho pedagógico e instigam principalmente os profissionais da sala do SAP. A escola ainda precisa vencer muitas outras etapas para oferecer, de fato, uma educação de qualidade, não apenas para os alunos surdos, mas também para aos alunos ouvintes, inclusive, se faz necessário investir na sensibilização dos professores que ainda, indiferentes ao processo, dificultam e, muitas vezes, até ignoram o trabalho realizado pelos profissionais que atuam na sala do SAP, profissionais que mediam as relações interpessoais e pedagógicas entre esses professores e os alunos surdos.
São muitos os entraves, a inclusão tem início na família e continua na escola:, e,
“Uma escola inclusiva é aquela que respeita e valoriza as diferenças em todos os seus aspectos culturais, sociais, psíquicos, físicos e mentais...”.(8)


(6) Perlin (1998:54)
(7) Freire ( p.59)
(8) Stainback (199: 9)
Por isso, outro desafio é oportunizar a construção do conhecimento a partir de com atividades sistematizadas no conhecimento das ciências, nas artes e das linguagens e ajustadas às habilidades e necessidades desses alunos que vivem uma cultura e historicidade própria e um processo de letramento, de leitura e de escrita conflitante, alunos que são capazes de avanços e de aprendizagens significativas, alunos merecedores de inserção plena, cujos resultados asseguram-lhes a essência do ato de ensinar-aprender que promove a cooperação e a paz social, como nos assegura Strobel em:
“Dessa maneira os elementos mais importantes da cultura podem ser destacados como as habilidades dos sujeitos para construir sua identidade em usar a linguagem” (9).
È crucial eliminar os equívocos sobre a abordagem do conhecimento desse aluno surdo ou de qualquer outro tipo de aluno que apresente qualquer outro grau de deficiência. O contexto da inclusão na escola regular é um processo histórico e social. É de fundamental importância compreender que a identidade desse aluno está relacionada às suas próprias limitações e às suas capacidades de ser, fazer e de viver a sua descoberta como sujeito singular, original, único e capaz de comunicar-se através de LIBRAS, de ler e escrever em língua portuguesa, de expressar-se através do corpo e, ainda, que possa ser compreendido e inserido numa realidade marcada por contradições, desafios e desigualdades sociais comuns a todos, ouvintes ou não.
É imprescindível no processo de educação o reconhecimento de todos e a consciência das infinitas relações que o homem estabelece com o mundo independente da realidade que muitas vezes, condiciona, oprime, inibe e limita as ações pessoais, físicas, filosóficas ou sociais. Esse reconhecimento, portanto, é o elemento chave para a melhoria da educação.
No entanto, é a consciência dessas limitações que abre espaços, expande, oferece, se disponibiliza e promove outras possibilidades que, plenamente desenvolvidas, favorecem o resgate da cidadania no exercício da leitura do mundo na contemporaneidade.
As orientações dos profissionais da sala de apoio aos alunos surdos, insistem nessas verdades e desenvolve o trabalho pedagógico quase eficiente acreditando que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. E, assim, planejam e executam suas práticas alicerçadas em leituras para suprir as necessidades desses alunos, insistindo no apoio de todos os professores e das famílias que resistem aprender a linguagem dos sinais.
Importante considerar que ainda não foi oficializada no estado da Bahia o ensino de LIBRAS, que não existem interpretes e instrutores atuando em escolas ou salas de aula, nem mesmo se constitui em profissão reconhecida, os cursos de graduação em educação não preparam os formandos para o atendimento dessa realidade, todos são fatores que contribuem para a lentidão desse processo de inclusão.
Nesse contexto de entraves e dificuldades, as ações do SAP são valiosas, suprem essas necessidades e oferecem LIBRAS aos estudantes surdos e ouvintes substituindo as aulas de religião, sensibilizam os demais professores para a inclusão, promovem encontros semanais para planejamento das atividades com objetivos específicos, lança mão das adaptações e estratégias metodológicas para as diferentes áreas do conhecimento e, juntamente com a coordenação, procuram dar assistência aos problemas de ordem pessoais, emocionais e pedagógicas que os alunos vivenciam.
Todo o trabalho é realizado na perspectiva de leituras, pesquisas, planejamento de ações, ênfase na observação, registros e avaliação contínua, que integrados, tem assegurado retrocessos, mas, em especial, obtidos progressos no acompanhamento e atendimento pedagógico aos alunos, validando o que estabelecem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, na Lei 7.853/89, nos Decretos nºs 3.298/99 e 3.956/01 e no Decreto de Acessibilidade nº 5.296/04.
Hoje, onze anos após o início desse trabalho, o Colégio Estadual Raphael Serravalle continua recebendo alunos, acolhendo a todos em salas de aulas regulares, insistindo na mobilização de um número cada vez maior de professores e encontra-se aberta, disponível a outras comunidades, universidades e especialistas que queiram contribuir e, não somente visitar ou conhecer a nossa sala de apoio.
Através da SAP, os projetos desenvolvidos asseguram a realização de oficinas de leitura e de escrita a partir de tipologias diversas em língua portuguesa, como segunda língua,atividades sempre enriquecidas pela linguagem em LIBRAS com o objetivo de promover a auto-estima e a valorização da cultura na diferença lingüística desses alunos surdos.





(9) Strobel:2008;p18),
Outro exemplo de sucesso é a prática do Projeto “Interiorizando Conteúdos”, que, em síntese, trata da retomada de conteúdos trabalhados nas aulas regulares, uma parceria que conta com os professores atuando no turno oposto às suas aulas. Nos horários semanais de coordenação os professores da SAP e demais professores estabelecem prioridades, e, por meio de ações dialógicas buscam estratégias que facilitem a construção de conhecimentos desses alunos. Realizam também o exercício de atendimento diário aos alunos que apresentem problemas de ordem pessoal e/ou pedagógica o que contribui para a melhoria do trabalho e favorece as relações interpessoais.
A escola, através do SAP promove eventos de socialização e sensibilização à comunidade, atendimento às famílias, estabelecimento de critérios específicos nos Conselhos de Classe para o acompanhamento do aluno surdo, organiza e participa de seminários internos e nacionais.
São muitas as atividades, a SAP formaliza grupos de estudos em que as atividades enfatizam as especificidades de campo conceitual de vocábulos e expressões como: “Segregação, Juízo de valor, Racismo, Discriminação, Preconceito, Diversidade, Gênero, Juízo de fato, Validação, Inclusão, Integração, Interação, Etnia, Estereotipo, Cidadania” e outros que, em síntese, contemplam a melhor compreensão do processo de inserção, de inclusão e asseguram melhores relações de respeito, solidariedade e igualdade quanto à etnia, crenças e ideologia.
A SAP participa freqüentemente de reuniões externas com a Secretaria de Educação, de Seminários, Mesa-redonda e outros eventos em diferentes faculdades, sempre com o objetivo de socializar a dinâmica de atendimento aos surdos. Nesses eventos faz explanações que incluem a prática da Monitoria, Oficinas de leituras e arte, Gincana, Visitas ao teatro, à reserva de Sapiranga, parques e outros espaços culturais, além da realização de outras atividades pedagógicas que envolvem a manifestação lúdica, educativa e prazerosa de teatro, recital de poesias, painéis e até coral.
Vale enfatizar o estímulo dos profissionais da SAP aos alunos surdos para que estes pratiquem e participem, juntamente com os demais alunos, das atividades lúdicas, das manifestações e expressões da arte nas suas diversas formas. Nossa escola acredita no princípio revolucionário que atribui a todos, independente de talentos especiais, o conjunto de habilidades capazes de manifestações culturais que expressam o estar, ser, viver e compreender o mundo, seja através da expressão do corpo, do gesto, do movimento, da expressão plástica, visual ou através da linguagem dos sinais.
Entre tantas atividades realizadas destacamos a elaboração, execução e acompanhamento de projetos com temas diversos, a exemplo de: “O Colégio Raphael Serravalle na construção da cidadania”, “A química no cotidiano”, “Direitos e deveres”, “Diferenças e preconceitos”, “A bioquímica da célula”, “Construção de dicionário ilustrado de biologia”, “Alimentos alternativos”, “Adote um surdo como amigo”, “Somos afro-descendentes”, “Trabalho, justiça e cidadania”, “Educação fiscal” e outros.
Nesse contexto, a escola atende alunos surdos nos três turnos de funcionamento, e, seu espaço de vivência, interação e inclusão estabelecem a sua função social que é, por excelência, se não oferecer uma educação de qualidade, pelo menos que permaneçamos investindo, acreditando e trabalhando para eliminar as desigualdades sociais, o desrespeito à diversidade.
Assim, em nossas ações procuramos assegurar que a nossa escola seja um espaço social democrático, em que os valores exercitados contribuam efetivamente para que todos os alunos, crianças, jovens e adolescentes, surdos ou ouvintes, sejam o que são, com são, mas que se tornem mais enriquecidos enquanto seres humanos, confiantes, capazes de escolher com consciência, a sua trajetória de vida de modo a torná-la mais respeitosa para si e para os outros e, sobretudo, que sejam pessoas mais felizes.









Referencia Bibliográfica:

BYINGTON, Carlos Amadeu. Pedagogia Simbólica: A construção amorosa do
Conhecimento do ser. Rio de Janeiro, RJ: Rosas dos tempos, 1996.
PERLIN, Gladis. Identidades Surdas. In: SKLIAR, C. (Org.) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.
__________. Identidade Surda e Educação. In: BERGAMASCHI, Rosi I; MARTINS, R. Discursos atuais sobre a surdez. Canoas: La Salle, 1996.
QUADROS, Ronice Müller & PERLIN Gladis. Estudos surdos II. RJ: Arara azul,2007.
SKLIAR, Carlos (Org.). Educação e exclusão. Abordagens sócio-antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Editora Mediação, 1997.
__________. Os estudos surdos em educação: problematizando a normalidade. In: _______ (Org.) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.











A CONSTRUÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA IDENTIDADE SURDA E AS AÇÕES INCLUSIVAS NO COLÉGIO ESTADUAL RAPHAEL SERRAVALLE.
Lizeth M. Mira*
Ramilton Oliveira Cordeiro**
Rosemary Borges***

SUMÁRIO

O presente estudo aborda o processo de construção da identidade dos alunos surdos e as ações inclusivas do Colégio Estadual Raphael Serravale, apresentado no I Congresso de Educação Inclusiva, no Centro de Convenções em Salvador, promovido pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), no ano de 2007. Trata-se do relato feito pelo professor Ramilton de Oliveira Cordeiro, diretor da unidade escolar. As considerações sobre o tema abordam a trajetória histórica do processo de inclusão dos alunos surdos na unidade escolar, os retrocessos e os avanços na atuação do grupo de profissionais, professores especialistas e coordenadores que atuam na sala de apoio pedagógico (SAP). Os resultados, até então obtidos, resultam da dinâmica de leituras, estudos e buscas constantes de fundamentação teórica que subsidiam as ações desenvolvidas no trabalho realizado. De acordo com o professor Ramilton, foram muitos os conflitos e divergências entre o grupo de professores na elaboração, execução e acompanhamento do planejamento e das atividades que configuram a dinâmica da ação-reflexão-ação ao tempo em que se consolidam os objetivos, as estratégias, a metodologia e as ações de inserção dos alunos surdos na comunidade escolar.
Palavras chaves: IDENTIDADE – INCLUSÃO – PLANEJAMENTO





*pedagoga (UFBA), pós-graduada, professora do Colégio São Paulo e coordenadora do CERS lizethmira@yahoo.com.br .
**Geógrafo,(UCSAL), pós-graduado, diretor do Colégio Estadual Raphael Serravalle. ramcordeiro@yhaoo.com.br
*** pedagoga e filósofa, (UCSAL), pós-graduada, professora da Sala de Apoio Pedagógico (SAP) roseborgestomagal@ig.com.br.
INTRODUÇÃO

Considerar nesse estudo o processo e a importância da inclusão dos alunos surdos na escola regular como é a nossa, num contexto em que as pesquisas nacionais apontam para resultados catastróficos de ineficiência da educação é, sobretudo, focar toda a dinâmica do nosso trabalho nas considerações que apontam os avanços até então obtidos e que estão assegurados no objetivo que o Colégio Estadual Raphael Serravalle se propõe: “favorecer o processo de inclusão social e pedagógica dos alunos surdos na comunidade escolar, visando a construção do conhecimento, a socialização e a autonomia”.
Em princípio, para o alcance desse objetivo, compreendemos que a comunidade escolar só é de fato uma comunidade, quando todas ou a maioria das pessoas envolvidas participam, contribuem e colaboram com os propósitos da educação e com a vida da escola. Sensibilizar a comunidade para esses propósitos é um desafio que exige tempo, paciência e persistência, e, desafio ainda maior quando a maioria dessas pessoas ignoram a importância da inclusão e a dimensão das necessidades especiais dos nossos alunos surdos.
Por inclusão pedagógica, o nosso propósito é o de acolher e oferecer a esses alunos as oportunidades para que possam observar e interpretar, ler e escrever, expressar e comunicar-se com o mundo que os cercam, estabelecendo as mais diversas relações, em LIBRAS ou não, mas em tantas outras formas de expressões que manifestem a construção do conhecimento, da interação e, sobretudo, da socialização.
Quanto a conquista da autonomia, só a compreendemos como o valor implicitamente relacionado às manifestações desse aluno ser capaz de autogovernar-se com ética, respeito e determinação a fim de que, na teia das relações que estabelece consigo próprio e com o mundo, possa sentir e viver intensamente o seu momento, compreender os seus limites e extrapolar os seus espaços.
Para isso, os recursos metodológicos que permeiam as ações inclusivas aos nossos alunos surdos se fundamentam no desenvolvimento de atividades teóricas e práticas com o material de apoio existente na SAP (sala de apoio pedagógico ao aluno surdo), e a realização de projetos didáticos comuns a todos os alunos, surdos e ouvintes, e que contemplam temas pertinentes à inclusão e ao respeito à diversidade cultural.
Assim, numa cultura em que a fala é elemento dominante, numa escola regular com as carências de recursos que é de conhecimento da sociedade, assegurar o desenvolvimento e a construção da identidade surda requer dentre outros tantas ações e outros tantos elementos, que tenhamos, sobretudo, a compreensão necessária para flexibilizar os desejos e necessidades de socialização, aceitação, construção de conhecimento e de autonomia desses alunos. Sobre isso, Perlim, enriquece a nossa crença ao expressar que:
“... a identidade surda sempre está em proximidade, em situação de necessidade com o outro igual. O sujeito surdo nas suas múltiplas identidades sempre está em situação de necessidade diante da identidade surda”. (l)

























(1) Perlim (l998: p 53)
NOSSA HISTÓRIA, NOSSAS EXPERIÊNCIAS.

Há exatamente 26 anos o COLÉGIO Estadual Raphael Serravalle, situado à Rua Guillard Minuz, s/n, Cep 41810110 – Salvador – Bahia, (071) 33597855, iniciou uma nova experiência em sua unidade escolar recebendo a primeira classe especial com orientação para o atendimento aos alunos surdos com base na filosofia oralista, seguida da comunicação total e do processo de estimulação precoce.
Para isso, organizou o jardim infantil, a alfabetização e as séries iniciais do ensino fundamental e centralizou o atendimento em apenas uma sala com todos os estudantes surdos no turno matutino. No entusiasmo de freqüentar uma grande unidade escolar, os estudantes surdos, mesmo sentindo o estranhamento da comunidade, criaram o vinculo afetivo com a escola e acreditaram no trabalho desenvolvido pelos profissionais. Sobre isso, nos detivemos em Quadros:
“os povos surdos estão cada vez mais motivados pela valorização de suas “diferenças” e assim respiram com mais orgulho a riqueza de suas condições culturais e temos orgulho de sermos simplesmente autênticos “surdos””.(2)
A demanda superou as expectativas e, diante da grande procura, a escola sentiu a necessidade de implantar nova turma no turno vespertino para acolher novos alunos e as respectivas famílias que não tinham nenhuma orientação para mediar as dificuldades de comunicação, de interação e de acompanhamento na aprendizagem dos seus filhos.
Nessa constatação, foi necessário que a escola organizasse um trabalho específico de apoio às famílias, ensinando-lhes um vocabulário básico no sentido de diminuir, principalmente, as barreiras de comunicação existentes entre pais e filhos.
A comunidade escolar ainda, no estranhamento e indiferença aos alunos surdos, erroneamente, estabeleceu intervalos de recreação em horários diferenciados, mantendo-os distantes dos demais estudantes, reforçando a tese de considerá-los como pessoas “estranhas ao ninho”. O desconhecimento da realidade, da cultura e da natureza da surdez não favorecia a proximidade, o estabelecimento de relações e a aceitação plena desses alunos.




(2) Quadros, (2007, 34)
Essa realidade permaneceu até o ano de 1996, quando para nossa surpresa, a escola recebeu a notícia de que “seríamos, de fato, uma escola de inclusão”, que deveríamos receber os alunos surdos e mantê-los nas mesmas salas dos alunos ouvintes. A sala de apoio que até então realizava um trabalho à parte, atendendo apenas o grupo de alunos surdos, tornar-se-ia sala de apoio pedagógico.
Os profissionais que atuavam na sala de apoio, sem conhecimento sistematizado, internalizaram a determinação da SEC e mergulharam numa busca incansável de leituras e estudos para vencer os desafios que lhes eram impostos. E, nessas leituras se detiveram em Mantoan, quando afirma que:
“faz-se necessário que a inclusão aconteça sem esperar a boa vontade da sociedade, pois naturalmente não acontece...”.(3)
Mesmo no desejo de acertar, a insegurança tomou conta de toda a escola, o desconhecimento em como se comunicar com os surdos e, na insatisfação da determinação da Secretaria de Educação, alguns professores afirmavam ser impossível, sem formação específica, atender e favorecer o desenvolvimento desses alunos, justificando ausência de metodologia específica, de bibliografia, de material de apoio, de relatos de sucesso no trabalho prático com os alunos surdos, agravados pelo descaso das famílias.
No entanto, esses fatores foram determinantes para o grupo de professores da SAP, que abraçaram a causa e aceitaram o desafio de acolher, atender e favorecer o desenvolvimento das habilidades diferenciadas desses alunos, assim como mediar os conflitos que se instalaram em nossa unidade escolar.
Foram muitas as ações desencontradas em que prevaleceu o processo de “oralismo” de “achismo”. Contudo, na relatividade das opiniões, preferências, escolhas, crenças e valores, deu-se, entre os professores, a troca de informações das suas práticas desenvolvidas, das estratégias e ações consideradas não produtivas, como também das ações que obtiveram progresso e sucesso.






(3) Mantoan, (1997; p 14)
Nossas ações sempre estão relacionadas ao processo de comunicação e de aprendizagem do surdo, porque quando educador e educando se encontram numa relação amorosa, de cumplicidade, de desejo de construírem juntos a história, a partir das suas próprias histórias, isso implica no desenvolvimento dessa identidade surda onde o sujeito reafirma a sua identidade na interação com a sua cultura, sua história e o seu trabalho.
Essa crença e aplicabilidade prática dão a noção exata da importância de ater-se às relações que se processam entre educação-trabalho-escola-alunos, nestas, o educador deve conhecer quem é o seu aluno surdo ou ouvinte, assim como saber o que ele precisa e o que pode aprender. Para incluir, o professor precisa rever o que ensina, perguntar se o que faz em sala de aula engloba as necessidades do grupo de alunos que atende, incluindo o surdo. Para isso deve lançar mão de pelo menos dois critérios essenciais, o da aplicabilidade: “- Junto com o que vou ensinar hoje, está incluído a sua utilização na vida?”, e o critério de utilidade em que se pergunta:
“Esta aplicação tem importância na minha vida, na vida das pessoas e na vida em geral?“
Essa prática dialógica vem assegurar a existência dos vínculos afetivos entre as pessoas em nossa unidade escolar, no “deixar-se conhecer” as considerações envolvidas explicitam a própria história de vida de cada um, e, permite a construção do respeito mútuo o elemento imprescindível nas relações humanas.
Os alunos continuaram chegando e se organizando nos seus grupos sem estabelecer nenhuma interação com os demais alunos. Os professores, sem informações ou conhecimentos de que muitos desses alunos não oralizavam, outros não faziam leituras labiais, e outros que pouco ou nada escutavam, condições agravadas pela falta de formação ou fundamentação teórica, acataram as sugestões dos profissionais da SAP para colocar os alunos surdos sentados à frente, falar devagar, olhar diretamente para os mesmos e escrever o máximo possível no quadro. Tais orientações, destituídas de fundamentação teórica e, que em nada contribuem para a formação da identidade surdo do aluno, são considerações que encontram-se expressas em Skiliar, quando:
“... é um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte...”(5)


(4) Byington, 1996: p.19)”.
(5) Skiliar (1998, p 15)
Alguns professores mais sensibilizados se inquietavam diante da realidade no atendimento ao aluno surdo, outros indiferentes ao problema, em nada mudaram em suas práticas que favorecessem o acolhimento e o mínimo de desenvolvimento de aprendizagem desses alunos. No entanto, a maioria dos alunos “ouvintes”, convidados a conhecer, participar e se tornarem parceiros da SAP manifestaram os sentimentos de solidariedade, um valor trabalhado em nosso Projeto Político Pedagógico e, aos poucos começaram a interagir com os colegas surdos.
Somente em 1998, foram ministrados os primeiros cursos de LIBRAS. Nesse período, apenas quatro professores tiveram acesso e oportunidade de fazê-lo e, ainda hoje, ainda existem professores que resistem à idéia de aprender LIBRAS.
O grupo de professores, que atuam na sala da SAP, conscientes das dificuldades de interação, do processo de comunicação, da resistência dos demais professores, de material didático específico, da total ausência de apoio das famílias e, principalmente das dificuldades de aprendizagem desses alunos, investiram no processo de inclusão com o aval da direção e dos coordenadores e, juntos, continuaram buscando meios que favorecessem a melhor qualidade no trabalho de assistência a esse grupo de alunos tão especiais.
É natural. O processo de inclusão exige a compreensão do ser, da aceitação às diferenças, de manifestações de profissionalismo e do estabelecimento de relações interpessoais que sejam mais verdadeiras, suficientes para superar a mediação de conflitos, aceitação e respeito ao erro, e instigar reflexões mais profundas na dialética ação-reflexão-ação, sobretudo, porque, aceitar e viver o processo de inclusão na sua plenitude é característica comum aos educadores, porém, elemento ausente àqueles que atuam somente como professores.
Em função do desconhecimento das causas da surdez, no egoísmo da não aceitação às diferenças, na indiferença à inclusão e, na falta de estabelecimento de relações com os surdos, nós ouvintes, limitamos as possibilidades de aprendizagem desses alunos. O termo surdo está socialmente envolto em estigma de incapacidades, é estereótipo de deficiência, o que por si só, configura a urgência de (re)aprendermos os propósitos da educação para o exercício cidadão que sugere o cumprimento de deveres e a capacidade de reivindicar direitos que nos são assegurados, inclusive e principalmente, no suporte de construção de uma política de identidade. Nesse propósito, encontramos em Perlin:
“... o estereótipo sobre o surdo jamais acolhe o ser surdo, pois mobiliza-o a uma representação contraditória, a uma representação que não conduz a uma política da identidade. O estereótipo faz com que as pessoas se oponham, às vezes disfarçadamente, e evitem a construção da identidade surda, cuja representação é o estereótipo da sua composição distorcida e inadequada...”(6)
Os estudos e pesquisas do grupo atuante (SAP) em nossa unidade escolar se detiveram nas verdades que asseguram, garantem e orientam que a proposta educacional moldada nesses princípios deve ser corajosa, deve propor a educadores e à comunidade escolar em geral, a reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, suas responsabilidades, sua cultura, sua historicidade, seus valores e seu papel numa sociedade competitiva, desigual e em transição.
Assim, viver, ensinar, aprender e conviver exige a dimensão maior do ser no processo de aceitação ao outro, já que a sociedade, durante tanto tempo, deixou à mercê da própria sorte as crianças, jovens e adolescentes “diferentes”, mantendo-os “guardados” numa redoma de vidro sem ter acesso a um mínimo de credibilidade, de educação de qualidade, de possibilidades, principalmente os alunos surdos e os alunos “ouvintes” oriundos das classes populares, o que, de acordo com Freire:
“O sujeito que se abre ao mundo e aos outros, inaugura com o seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inclusão em permanente movimento na história.”(7)
Essas considerações validam e estimulam os avanços no trabalho pedagógico e instigam principalmente os profissionais da sala do SAP. A escola ainda precisa vencer muitas outras etapas para oferecer, de fato, uma educação de qualidade, não apenas para os alunos surdos, mas também para aos alunos ouvintes, inclusive, se faz necessário investir na sensibilização dos professores que ainda, indiferentes ao processo, dificultam e, muitas vezes, até ignoram o trabalho realizado pelos profissionais que atuam na sala do SAP, profissionais que mediam as relações interpessoais e pedagógicas entre esses professores e os alunos surdos.
São muitos os entraves, a inclusão tem início na família e continua na escola:, e,
“Uma escola inclusiva é aquela que respeita e valoriza as diferenças em todos os seus aspectos culturais, sociais, psíquicos, físicos e mentais...”.(8)


(6) Perlin (1998:54)
(7) Freire ( p.59)
(8) Stainback (199: 9)
Por isso, outro desafio é oportunizar a construção do conhecimento a partir de com atividades sistematizadas no conhecimento das ciências, nas artes e das linguagens e ajustadas às habilidades e necessidades desses alunos que vivem uma cultura e historicidade própria e um processo de letramento, de leitura e de escrita conflitante, alunos que são capazes de avanços e de aprendizagens significativas, alunos merecedores de inserção plena, cujos resultados asseguram-lhes a essência do ato de ensinar-aprender que promove a cooperação e a paz social, como nos assegura Strobel em:
“Dessa maneira os elementos mais importantes da cultura podem ser destacados como as habilidades dos sujeitos para construir sua identidade em usar a linguagem” (9).
È crucial eliminar os equívocos sobre a abordagem do conhecimento desse aluno surdo ou de qualquer outro tipo de aluno que apresente qualquer outro grau de deficiência. O contexto da inclusão na escola regular é um processo histórico e social. É de fundamental importância compreender que a identidade desse aluno está relacionada às suas próprias limitações e às suas capacidades de ser, fazer e de viver a sua descoberta como sujeito singular, original, único e capaz de comunicar-se através de LIBRAS, de ler e escrever em língua portuguesa, de expressar-se através do corpo e, ainda, que possa ser compreendido e inserido numa realidade marcada por contradições, desafios e desigualdades sociais comuns a todos, ouvintes ou não.
É imprescindível no processo de educação o reconhecimento de todos e a consciência das infinitas relações que o homem estabelece com o mundo independente da realidade que muitas vezes, condiciona, oprime, inibe e limita as ações pessoais, físicas, filosóficas ou sociais. Esse reconhecimento, portanto, é o elemento chave para a melhoria da educação.
No entanto, é a consciência dessas limitações que abre espaços, expande, oferece, se disponibiliza e promove outras possibilidades que, plenamente desenvolvidas, favorecem o resgate da cidadania no exercício da leitura do mundo na contemporaneidade.
As orientações dos profissionais da sala de apoio aos alunos surdos, insistem nessas verdades e desenvolve o trabalho pedagógico quase eficiente acreditando que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. E, assim, planejam e executam suas práticas alicerçadas em leituras para suprir as necessidades desses alunos, insistindo no apoio de todos os professores e das famílias que resistem aprender a linguagem dos sinais.
Importante considerar que ainda não foi oficializada no estado da Bahia o ensino de LIBRAS, que não existem interpretes e instrutores atuando em escolas ou salas de aula, nem mesmo se constitui em profissão reconhecida, os cursos de graduação em educação não preparam os formandos para o atendimento dessa realidade, todos são fatores que contribuem para a lentidão desse processo de inclusão.
Nesse contexto de entraves e dificuldades, as ações do SAP são valiosas, suprem essas necessidades e oferecem LIBRAS aos estudantes surdos e ouvintes substituindo as aulas de religião, sensibilizam os demais professores para a inclusão, promovem encontros semanais para planejamento das atividades com objetivos específicos, lança mão das adaptações e estratégias metodológicas para as diferentes áreas do conhecimento e, juntamente com a coordenação, procuram dar assistência aos problemas de ordem pessoais, emocionais e pedagógicas que os alunos vivenciam.
Todo o trabalho é realizado na perspectiva de leituras, pesquisas, planejamento de ações, ênfase na observação, registros e avaliação contínua, que integrados, tem assegurado retrocessos, mas, em especial, obtidos progressos no acompanhamento e atendimento pedagógico aos alunos, validando o que estabelecem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, na Lei 7.853/89, nos Decretos nºs 3.298/99 e 3.956/01 e no Decreto de Acessibilidade nº 5.296/04.
Hoje, onze anos após o início desse trabalho, o Colégio Estadual Raphael Serravalle continua recebendo alunos, acolhendo a todos em salas de aulas regulares, insistindo na mobilização de um número cada vez maior de professores e encontra-se aberta, disponível a outras comunidades, universidades e especialistas que queiram contribuir e, não somente visitar ou conhecer a nossa sala de apoio.
Através da SAP, os projetos desenvolvidos asseguram a realização de oficinas de leitura e de escrita a partir de tipologias diversas em língua portuguesa, como segunda língua,atividades sempre enriquecidas pela linguagem em LIBRAS com o objetivo de promover a auto-estima e a valorização da cultura na diferença lingüística desses alunos surdos.





(9) Strobel:2008;p18),
Outro exemplo de sucesso é a prática do Projeto “Interiorizando Conteúdos”, que, em síntese, trata da retomada de conteúdos trabalhados nas aulas regulares, uma parceria que conta com os professores atuando no turno oposto às suas aulas. Nos horários semanais de coordenação os professores da SAP e demais professores estabelecem prioridades, e, por meio de ações dialógicas buscam estratégias que facilitem a construção de conhecimentos desses alunos. Realizam também o exercício de atendimento diário aos alunos que apresentem problemas de ordem pessoal e/ou pedagógica o que contribui para a melhoria do trabalho e favorece as relações interpessoais.
A escola, através do SAP promove eventos de socialização e sensibilização à comunidade, atendimento às famílias, estabelecimento de critérios específicos nos Conselhos de Classe para o acompanhamento do aluno surdo, organiza e participa de seminários internos e nacionais.
São muitas as atividades, a SAP formaliza grupos de estudos em que as atividades enfatizam as especificidades de campo conceitual de vocábulos e expressões como: “Segregação, Juízo de valor, Racismo, Discriminação, Preconceito, Diversidade, Gênero, Juízo de fato, Validação, Inclusão, Integração, Interação, Etnia, Estereotipo, Cidadania” e outros que, em síntese, contemplam a melhor compreensão do processo de inserção, de inclusão e asseguram melhores relações de respeito, solidariedade e igualdade quanto à etnia, crenças e ideologia.
A SAP participa freqüentemente de reuniões externas com a Secretaria de Educação, de Seminários, Mesa-redonda e outros eventos em diferentes faculdades, sempre com o objetivo de socializar a dinâmica de atendimento aos surdos. Nesses eventos faz explanações que incluem a prática da Monitoria, Oficinas de leituras e arte, Gincana, Visitas ao teatro, à reserva de Sapiranga, parques e outros espaços culturais, além da realização de outras atividades pedagógicas que envolvem a manifestação lúdica, educativa e prazerosa de teatro, recital de poesias, painéis e até coral.
Vale enfatizar o estímulo dos profissionais da SAP aos alunos surdos para que estes pratiquem e participem, juntamente com os demais alunos, das atividades lúdicas, das manifestações e expressões da arte nas suas diversas formas. Nossa escola acredita no princípio revolucionário que atribui a todos, independente de talentos especiais, o conjunto de habilidades capazes de manifestações culturais que expressam o estar, ser, viver e compreender o mundo, seja através da expressão do corpo, do gesto, do movimento, da expressão plástica, visual ou através da linguagem dos sinais.
Entre tantas atividades realizadas destacamos a elaboração, execução e acompanhamento de projetos com temas diversos, a exemplo de: “O Colégio Raphael Serravalle na construção da cidadania”, “A química no cotidiano”, “Direitos e deveres”, “Diferenças e preconceitos”, “A bioquímica da célula”, “Construção de dicionário ilustrado de biologia”, “Alimentos alternativos”, “Adote um surdo como amigo”, “Somos afro-descendentes”, “Trabalho, justiça e cidadania”, “Educação fiscal” e outros.
Nesse contexto, a escola atende alunos surdos nos três turnos de funcionamento, e, seu espaço de vivência, interação e inclusão estabelecem a sua função social que é, por excelência, se não oferecer uma educação de qualidade, pelo menos que permaneçamos investindo, acreditando e trabalhando para eliminar as desigualdades sociais, o desrespeito à diversidade.
Assim, em nossas ações procuramos assegurar que a nossa escola seja um espaço social democrático, em que os valores exercitados contribuam efetivamente para que todos os alunos, crianças, jovens e adolescentes, surdos ou ouvintes, sejam o que são, com são, mas que se tornem mais enriquecidos enquanto seres humanos, confiantes, capazes de escolher com consciência, a sua trajetória de vida de modo a torná-la mais respeitosa para si e para os outros e, sobretudo, que sejam pessoas mais felizes.









Referencia Bibliográfica:

BYINGTON, Carlos Amadeu. Pedagogia Simbólica: A construção amorosa do
Conhecimento do ser. Rio de Janeiro, RJ: Rosas dos tempos, 1996.
PERLIN, Gladis. Identidades Surdas. In: SKLIAR, C. (Org.) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.
__________. Identidade Surda e Educação. In: BERGAMASCHI, Rosi I; MARTINS, R. Discursos atuais sobre a surdez. Canoas: La Salle, 1996.
QUADROS, Ronice Müller & PERLIN Gladis. Estudos surdos II. RJ: Arara azul,2007.
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__________. Os estudos surdos em educação: problematizando a normalidade. In: _______ (Org.) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.